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Raul Drewnick

 Não sou um desses tristes oportunistas, de ocasião. Sou triste por convicção.

 ***
 Segui o conselho de Sócrates. Hoje me conheço melhor que ontem. Ontem eu era mais feliz.

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Embora se diga que não, dos poetas e dos mágicos se esperam sempre os mesmos pássaros e as mesmas cartolas.
 ***
 A literatura é um vício que talvez um dia qualquer homem possa admitir na hora mais clara de uma manhã de domingo.

Antônio Callado

      O amigo do homem desaparecido se aproximou da janela do seu apartamento tendo na mão o livro que o desaparecido dedicara a ele: “Para você, meu grande amigo”.

    O amigo olhou lá fora o mar que ia além da praia e que flambava ao sol do meio-dia. Curioso como ele tinha desaparecido de forma tão absoluta. Evaporou-se.

   Soube-se depois da sua morte que ele passara os últimos  anos de vida num lugarejo chamado Figueira Aléssio. Ninguém sabia ao certo de que modo morrera.

    “Quando parou no fim da linha o homem que ia desaparecer saltou e foi andando para a pequena casa em que morou sua família.

   Olhou-a por algum tempo e, ao percebê-la vazia, adentrou-a e revisitou seus cômodos.

   O homem que desapareceu saiu da casa,  fechou sem ruído a porta, passou em silêncio pelo portão de tábuas brancas e se foi. Como um ladrão." 

Sobre o conto Prisão Azul, edição de José  Aléssio

Alice Ruiz

 Tem os que passam

e tudo se passa

com passos já passados

tem os que partem
da pedra ao vidro
deixam tudo partido

e tem, ainda bem,
os que deixam
a vaga impressão
de ter ficado

Ruy Espinheira Filho

  Sei: com o tempo só os mortos sobrevivem.

Como você, que passa distraída entre as árvores e não me vê, distante, noutro plano;
 
E você que me olha com uma infância pungente e me fala com voz de lã.

 Mas não me diz nada do que eu precisava ouvir,
 enquanto eu nada lhe digo do que precisava dizer,
 como afinal sempre acontece e logo é muito tarde.

Ana Martins Marques

  "Um dia vou aprender a partir 

    vou partir

    como quem fica


Um dia vou aprender a ficar

vou ficar

como quem parte"


Rubem Braga

 No meio da noite despertei sonhando com minha filha Rita. Eu a via nitidamente, na graça de seus cinco anos.

Seus cabelos castanhos – a fita azul – o nariz reto, correto, os olhos de água, o riso fino, engraçado, brusco…
 
Depois um instante de seriedade; minha filha Rita encarando a vida sem medo, mas séria, com dignidade.
Rita ouvindo música; vendo campos, mares, montanhas; ouvindo de seu pai o pouco, o nada que ele sabe das coisas, mas pegando dele seu jeito de amar – sério, quieto, devagar.

Eu lhe traria cajus amarelos e vermelhos, seus olhos brilhantes de prazer, eu lhe ensinaria a palavra cica, e também a amar os bichos tristes, a anta e a pequena cutia; o córrego; e a nuvem tangida pela viração.
Minha filha Rita em meu sonho me sorria – com pena deste seu pai, que nunca teve.

Mário Benedetti

 Não te rendas, ainda estás a tempo

de aceitar as tuas sombras
enterrar os teus medos,
largar o lastro,
retomar o voo.

Não te rendas que a vida é isso,
continuar a viagem,
destravar os tempos,
arrumar os escombros,
e destapar o céu.

Não te rendas, por favor, não cedas,
ainda que o frio queime,
ainda que o medo morda,
ainda que o sol se esconda,
e se cale o vento.

Porque a vida é tua, 
porque não existem feridas que o tempo não cure.

Abrir as portas,
tirar os ferrolhos,
abandonar as muralhas 
 e aceitar o desafio,
recuperar o riso,
ensaiar um canto,
baixar a guarda e estender as mãos.


edição: José Aléssio

Juremir Machado da Silva

 Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Eu fui condenado sem merecimento, por um sentimento, por uma paixão. Sei que detalhes tão pequenos de nós dois são coisas muito grandes pra esquecer. Explode coração. Por isso eu peço, senhora Liberdade, abre as asas sobre mim. Só me resta pedir uma ideologia, eu quero uma pra viver, pois tudo muda,  e eu só queria ter do mato um gosto de framboesa pra correr entre os canteiros e esconder minha tristeza. Tudo muda, mas eu continuo o mesmo, eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do Interior.


E assim se passaram dez anos sem eu ver teu rosto, sem olhar teus olhos. É por isso que tem certos dias em que eu penso em minha gente e sinto assim todo o meu peito se apertar. Então eu quero uma casa no campo onde eu possa compor muitos rocks rurais e tenha somente a certeza dos amigos do peito e nada mais. Uma voz interior me diz: se pensas que pensas estás redondamente enganado. Outra, sussurra: Pai, afasta de mim esse cálice de vinho tinto de sangue.

Todo artista tem de ir onde o povo está. Eu já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver, pois a vida me fez assim, eu caçador de mim. Aprendi que o amor é um grande laço, um passo pr’uma armadilha, um lobo correndo em círculos pra alimentar a matilha. Eu me lembro com saudade o tempo que passou e quero apenas estar no seu pensamento, por um momento pensar que você pensa em mim.

Caía a tarde feito um viaduto e um bêbado trajando luto me lembrou que naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim.  Oh tristeza, me desculpe, estou de malas prontas. Minha vida é andar por este país pra ver se um dia descanso feliz. Vida, leva eu. Ô, vida de gado, povo marcado, ê! Povo feliz! Eu vou ficar nesta cidade, não vou voltar pro sertão. Olha, está chovendo na roseira e se já perdemos a noção da hora, se juntos já jogamos tudo fora, me conta agora como hei de partir.

Chuang Tsu

O nascimento de um homem é o nascimento de sua dor. Quanto mais ele vive, mais estúpido se torna, porque sua ansiedade para evitar a morte inevitável torna-se mais e mais aguda. Que amargura! Ele vive por aquilo que está sempre fora do seu alcance! Sua sede de sobreviver no futuro faz com seja incapaz de viver no presente.

Jorge Timossi

 Uma vez no labirinto, chegou um momento em que tive a impressão de que cruzava repetidamente comigo mesmo, de que eu era o outro, dentro e fora de mim, até que, desconcertado, escolhi ficar um instante quieto num ponto, talvez assim pudesse recuperar meus sentidos, e foi então que me vi, com espanto, passar por outro dos caminhos equivocados e sem saída.