Não espero nada,
e já me satisfaço com a consciência de ainda estar em mime não de volta ao nada de onde vim.
Por ora, ao menos, ainda ocupo espaço,
junto a uma mesa no Cais da Ribeira;
permito-me, sem culpa,
desfrutar de pão, e queijo, e vinho, e vista, e ar, todo o entorno da minha cadeira.
Que os dias que me restam não me tragam apenas a miséria de contá-los
pra ao fim ver que as contas não fecham.
Peço demais?
Eu, que não sou desses que tragam a vida num só gole e no gargalo,
sem ter nem mesmo perguntado o preço.
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Ninguém se molha duas vezes na mesma tempestade. Mudam
você, a água,
nem é o mesmo,
na sua mão, o guarda-chuva;
muda o motivo pelo qual
você houve por bem molhar-se,
oferecendo ao temporal
— por assim dizer — a outra face;
não muda, porém, a consciência
de que os sapatos encharcados
e a calça manchada de lama
terão talvez efeito idêntico
ao que teria ter ficado
em casa,
quietinho, na cama.