Pedro Henriques Brito

 Não espero nada,

 e já me satisfaço com a consciência de ainda estar em mim
 e não de volta ao nada de onde vim.

 Por ora, ao menos, ainda ocupo espaço,
 junto a uma mesa no Cais da Ribeira;
 permito-me, sem culpa,
 desfrutar de pão, e queijo, e vinho, e vista, e ar, todo o entorno da minha cadeira.

 Que os dias que me restam não me tragam apenas a miséria de contá-los
 pra ao fim ver que as contas não fecham.

 Peço demais?
 Eu, que não sou desses que tragam a vida num só gole e no gargalo,
 sem ter nem mesmo perguntado o preço.

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Ninguém se molha duas vezes na mesma tempestade. Mudam
 você, a água,
 nem é o mesmo,
 na sua mão, o guarda-chuva;

muda o motivo pelo qual
 você houve por bem molhar-se,
 oferecendo ao temporal
 — por assim dizer — a outra face;

 não muda, porém, a consciência
 de que os sapatos encharcados
 e a calça manchada de lama

 terão talvez efeito idêntico
 ao que teria ter ficado
 em casa,
 quietinho, na cama.