Leandro Karnal

      Ler é uma decisão e insistir em textos pode produzir um hábito. Para voar no mundo das letras, é importante saber a força das asas de cada um. Ambições elevadas demais podem estragar o projeto. Metas baixas induzem ao tédio. Se o seu desejo/hábito por livros for pequeno, comece de forma mais simples.

     Estabeleça uma meta menos ousada: cinco páginas por dia, por exemplo. Mantenha-se firme e, em uma semana, você pode ter conseguido ler dois contos ou um pequeno romance. Se os próximos meses confirmarem que você atende bem ao estipulado, vá aumentando mensalmente. Como eu digo aos alunos, decisões ambiciosas demais nos aproximam dos atletas amadores da prova de São Silvestre: saem em disparada e, poucos quarteirões após a largada, estão sentados no meio-fio, exaustos e fora da disputa. Corredores profissionais sabem da importância do ritmo constante. Fora as leituras obrigatórias de cada ramo, um ritmo acima do fraco e bem abaixo do perfeito seria de dois livros por mês. Esse ‘combustível‘ permite que você reflita, atualize e mantenha seu cérebro funcionando. Como eu disse, é abaixo do perfeito, mas quem trabalha com a ideia da perfeição nunca lê e, provavelmente, jamais casará.

     Um exemplo banal de como a leitura muda nossa visão de mundo. As pessoas comentam em casa ou no bar que o tempo está passando rápido demais? Dizem coisas de senso comum como ‘daqui a pouco estaremos no final do ano novamente‘? Bem, Allan Burdick fez uma investigação sobre o tema em Por Que o Tempo Voa. A escrita é excelente e sua noção sobre o tempo e sua aceleração (e seu uso prático) darão uma reviravolta em seu entendimento do assunto. Aqui você começa a se separar do senso comum e a perceber argumentos muito inovadores para sua cabeça e, eventualmente, suas conversas.

     Santo Agostinho citou, Shakespeare conheceu e quase todos os intelectuais clássicos leram. Refiro-me a um livro fundamental: O Asno de Ouro, de Apuleio. O autor (segundo século da nossa era) nasceu na região romanizada da atual Argélia. Culto, foi influenciado/guiado pela obra de Ovídio, As Metamorfoses. O modelo é tão forte que a obra, originalmente, apresentava o mesmo título. Foi um autor cristão, o já citado Agostinho, que batizou a obra de Asinus Aureus (O Asno de Ouro). O texto picaresco conheceu enorme difusão, dos já citados ao nosso Machado de Assis, de Monteiro Lobato a Ricardo Azevedo. É uma obra seminal e de referência.

     Por que ler um clássico? Porque ele transforma nossa maneira de pensar, fornece vocabulário, mostra raízes, disseca influências e faz um upgrade poderoso na caixa encefálica. Lembre-se ao encarar o Asno de Ouro: não é um best-seller que facilite tudo ao leitor para cativar audiência.

     O tema da felicidade foi tratado por Aristóteles, Epicuro, Epicteto e Shakespeare. Porém, hoje parece que a simples menção ao conceito já faz todo mundo dizer que é autoajuda. Nada mais enganador.

     Clássicos, temas ligados à existência e à felicidade, romances, poesias: um livro é uma alavanca e possibilita erguer o mundo, ao menos o seu mundo. Um pequeno conto de Machado, um texto de Clarice Lispector, uma peça de teatro de Nelson Rodrigues: ninguém sai igual da imersão na inteligência. Sem ler, não existe esperança de melhora. Ler é esperança pura!