Confesso que já o quis morto. Pensamento que depressa afastei, assustado comigo mesmo. Necessitava tanto e tão imediatamente de alívio que não levava em conta o incomensurável sofrimento da perda do único filho. Ou talvez julgasse a perda definitiva mais suportável que a agonia infindável. Em todos esses anos, só tivemos sossego, paradoxalmente, durante os seis meses de abstinência forçada, em que cumpriu pena na cadeia pela agressão à companheira.
Muitas vezes, me perguntei: para que serve um filho desses? Se eu fosse crente, diria que veio ao mundo para nos pôr à prova. Desperdiçou todos os talentos. Deturpou todos os sentimentos. Fingiu afeição aos pais quando quis dinheiro, fingiu lealdade a amigos quando precisou de um teto. Cedo ou tarde, todos o abandonam. Seguem sua vida e o deixam para trás como a um traste. Tornou-se tão insignificante que, se deixasse subitamente de existir, apenas nós –seus pais– perceberíamos. O homem pode existir de muitas formas e pode sempre mudar a forma de existir; porém o tempo de uma existência é limitado. Metade de seu tempo se foi. Por isso, me pergunto: para que serve um filho desses?Capítulo 54 do livro Pretérito imperfeito