Era uma casa grande, alta, feita de madeira cuidadosamente beneficiada. O exterior era de um verde musgo que completava as árvores do lugar, umas frutíferas ,outras de sombra. Os móveis eram de madeira, muito bem talhados e acabados, nunca me esqueci do pequeno guarda-louça no canto da parede com portas de vidro que exibiam lindas porcelanas. Não sei ao certo mas acho que os móveis eram feitos por membros da família. Quando a gente chegava pela estradinha de terra, sobre o portão sempre havia ramadas de flores em forma de arco, creio que às vezes as plantas eram mudadas e por isso as flores variavam. Não consigo ver arco de flores sem lembrar da casa dos meus avós!
Já portão adentro uma cerca viva fazia um caminho até a casa como que conduzindo o visitante pátio adentro. De um lado flores, de outro plantações de moranguinhos cuidadosamente plantados exibiam sua beleza; era preciso andar com cuidado eram quase uma relíquia. No lado oposto havia imensas árvores não me recordo a espécie ,e um galho que parecia talhado para a finalidade havia duas correntes fortes, enormes e longas que sustentavam um balanço com um largo e confortável acento. Nunca poderia esquecer a cena. Os netos eram convidados para o local e meu avo se encarregava de fazer nossos pequenos pezinhos alcançarem com muita emoção a ponta dos galhos mais altos. Quem sabe era uma maneira de nos ensinar para que tentássemos voar alto.
A tarde era animada com um lindo e delicioso café. As toalhas de mesa eram mais alvas do que a neve, havia bolos e doces de todos os tipos e cores, e um delicioso café com leite que nunca mais bebi outro igual. Era quase um cerimonial. Não posso dizer quem preparava tudo mas não havia nada absolutamente nada, fora do lugar naquela casa.Mesmo com muitas crianças não havia uma só mancha de sujeira nas paredes,as camas eram brancas, os lençóis pareciam engomados, imóveis sobre as camas. Muitos guardanapos brancos com lindíssimos bordados enfeitados com vasos de flores que pareciam nunca murcharem, em todos os lugares. Agora que sou adulta me pergunto como tudo aquilo era possível… o chão de madeira reluzia um brilho incrível.
Acho que recortaram um castelo na Europa e plantaram naquela simples zona rural catarinense. Lembro do pequeno riacho, uma pontezinha de madeira e do outro lado os pastos com vacas leiteiras.
Meu avô logo se foi. Depois disso por longo tempo eu e minha prima andávamos dois quilômetros de bicicleta na estradinha de terra para dormir com minha avó. A casa parecia triste e solitária. Minha vó falava pouco, só sabia falar alemão nunca aprendeu a língua e se irritava quando conversávamos em português…
Depois ela mudou-se para a pequena cidade de Riqueza onde morávamos. Os móveis eram os mesmos, o jardim nunca jamais parou de florescer,os guardanapos nunca perderam a goma e os bordados, os vasos nunca deixaram um só dia de exibir suas flores cuidadosamente colhidas. E o rádio em que todos os dias ela ouvia a Rádio Transmundial transmitida em alemão, nunca deixou de existir, era um companheiro inseparável. Nunca vi minha avó com roupa suja, desalinhada, ou com o cabelo despenteado, esse era cuidadosamente preso por um lindo coque postiço que escondia os poucos cabelos brancos. Gestos delicados, fala mansa, olhos azuis brilhantes e um sorriso cuidadosamente planejado nos lábios, como se estivesse sempre pronta para uma foto digna de revista.
Nos mudamos para o Mato Grosso e a vi muito poucas vezes depois disso. Recebi muitas cartas escritas do punho dela em alemão…. (acho que as lágrimas vão descer),acho que antes de eu deixar tudo ainda guardava algumas delas… As cartas eram recheadas de palavras cuidadosamente selecionadas na bíblia, às vezes coladas junto com figurinhas, na maioria das vezes com flores. Eram palavras de elogio , incentivo e principalmente pra dizer que todos os dias ela orava por mim. Eu creio que sim… porque Deus cuidava de mim naquele tempo de uma forma imensamente especial. Até acho que foi depois da partida da minha mãe e dos meus avós que descarrilhei, talvez por falta daquele alicerce de oração, conselhos, incentivo, carinho e amor.
Tristemente me deparei com o fato de que eu não conheci minha avó. Não sei nada sobre sua história sua família, seu passado. Não sem sentir um remorso tremendo por nunca ter perguntado ou ouvido nada sobre ela. Me senti cruel. Como se passa na vida das pessoas sem conhecer seu jardim interior?
Meu avô era o único agrimensor daquela região, falava um pouco de português e segundo a lenda familiar foi ele que desenhou todas as estradas do oeste catarinense que hoje são grandes e importantes rodovias asfaltadas. Ele era dono do único veículo da região, um 29 como era chamado na época. Sei que vieram da Alemanha em busca de um futuro melhor e quando planejavam voltar chegou a segunda guerra mundial e por isso terminaram suas vidas aqui. Escrevo minha história não sem pensar como é possível passar pela vida de pessoas que admiramos e amamos tanto sem conhecer o jardim que tantas mãos e pessoas plantaram por dentro e que brota com cores, flores e perfumes maravilhosos por fora.
Edição: José Aléssio