O homem humilde, emocionalmente inseguro, que, por hábito, aprendeu a se minimizar, observando ternamente a foto amarelada, enquanto o dia lentamente desperta. Ele tenta estabelecer contato com o pai, um pescador embrutecido pela vida, porém, o velho não escuta suas desajeitadas palavras, mais preocupado com o mecânico saciar de sua fome. Ao conhecer o poeta Pablo Neruda o homem toca brevemente aquele mundo desconhecido, totalmente diferente de sua simples comunidade pesqueira.
Ele tenta conseguir um emprego como carteiro, porém, num toque sutil, a câmera se foca na exigência de uma bicicleta. A sua insegurança é tanta, que, sem pensar duas vezes, ele adentra o local com a bicicleta, como que tentando garantir sua contratação, antes de precisar abrir a boca. Vale notar a postura dele ao avisar ao empregador sua fragilidade intelectual, afirmando que sabe, de forma lenta, ler e escrever, uma mentira que ele é incapaz de disfarçar, quando reage de forma defensiva ao escutar que irá trabalhar apenas para uma pessoa,o poeta Pablo Neruda, já que todos na região são analfabetos. Em sua visão, Neruda é o poeta amado pelas mulheres, aquele ser superior idealizado. A remuneração é pouca, o trabalho é cansativo, devido ao número expressivo de cartas que ele carregará, ele descobre até que o poeta é um comunista, conotação política que não entende, mas nada disso importa para o carteiro, que, com um emprego, passa a existir novamente para seu pai. Ele é aconselhado a trocar o mínimo de palavras possível com o estrangeiro, sendo submisso e prestativo, evitando incomodar.
No primeiro encontro, ele se encanta com o carinho do poeta com sua esposa, gesto que corrobora sua imagem idealizada. A gorjeta era desnecessária, ele já tinha tido satisfeito o necessário, a confirmação de sua crença. Em sua mente, como todos que idealizam, ele cria até a ilusão de uma conversação, já que afirma ao empregador que o poeta fala de forma diferente, quando, na realidade, ele havia apenas agradecido pela entrega das cartas. No segundo encontro, após efetivamente flagrar o beijo do casal, ele toma um pouco de coragem e tenta, de forma desajeitada, estreitar a relação, colocando-se à disposição dele para qualquer trabalho extra. O carteiro precisa aprender aquele truque de mágica, aquela facilidade de encantar tantas mulheres. Com mais uma frase trocada, ele já expande sua ilusão, afirmando que o poeta também é um exímio contador de piadas. Sem cartas, ele vai até o poeta para conseguir uma dedicatória em um livro, uma prova de que ele é seu amigo, um tesouro que ele pretende utilizar com as mulheres, porém, para sua tristeza, seu nome não consta na breve dedicatória.
O carteiro se esforça, tentando compreender o poder sedutor por trás daquelas linhas, letras pequeninas, exercitando timidamente metáforas com o poeta, ainda que não saiba o que significa a palavra, como que mostrando a ele que poderiam ser amigos. Ele não compreende a razão de algo tão simples possuir um nome tão complicado. E, numa cena bonita em simbolismo, pela primeira vez, o enquadramento mostra o poeta se colocando em posição de submissão, sentado, diante do simples carteiro, que, de pé, tenta impressioná-lo com o resultado de seu estudo dedicado. A poesia explicada torna-se banal, ele aprende que a mágica perde o fascínio quando o truque é revelado. Os dois homens, tão diferentes em teoria, acabam se descobrindo, na prática, iguais. Não há mestre e aprendiz, ambos aprendem. O efeito desse encontro, um evento transformador na vida dos dois, uma amizade nascida da improbabilidade, fortalecida com o amor pela palavra escrita. O carteiro deseja contar para o pai sua felicidade, mas, com sua sensibilidade que está sendo apurada, percebe que o velho bronco não irá compreender sua conquista, ou compartilhar seu orgulho, então, triste, ele silencia. A cultura, único elemento que verdadeiramente modifica o homem, já havia começado a libertá-lo daquela realidade simplória.
Octavio Caruso