O sétimo selo


 A Idade Média é a época perfeita para a representação dessa alegoria sobre a morte. O teocentrismo dominador e as condições adversas em que viviam as pessoas criaram o retrato ideal para a sensação de que o mundo estava prestes a ter um fim. Recém-chegado de uma missão nas cruzadas, o cavaleiro Antonius Block (Max Von Sydow) se depara com a Morte em pessoa (Benget Ekerot), dizendo-lhe que chegara a sua derradeira hora. “Eu o observo há bastante tempo”, diz a sinistra figura. Sentindo que ainda não encontrou as respostas que buscava, o cavaleiro ganha tempo ao desafiar o ceifador numa partida de xadrez. Talvez por nunca lhe tratarem com essa naturalidade, a Morte aceita o jogo em que disputam a alma de Block. Ao ganhar tempo, entre algumas jogadas adiadas, o cavaleiro tenta retornar ao seu lar, à medida que pelo caminho procura entender a própria morte e o que virá após sua chegada, numa perspectiva teocêntrica, mas também para além dela. A fotografia em preto-e-branco mergulha o espectador numa terra sem qualquer esperança, sentimento ampliado pela religião que prega o desespero.


Os diálogos de O Sétimo Selo são riquíssimos e essenciais para a compreensão da narrativa e da natureza do jogo travado. As cenas da confissão numa pequena igreja atestam a riqueza do texto. Nela o cavaleiro anuncia suas angústias, seus questionamentos existenciais. Após uma difícil missão religiosa, Block ainda não encontrara a Deus, nem teve respondidas as suas dúvidas quanto à natureza humana e a espiritual. Agora que inexoravelmente a morte se aproxima, ele precisa entender a razão de ter vivido, de ter servido à Igreja, o motivo de se estar vivo durante um tempo e depois perecer. Qual é o propósito de Deus para com os homens? A morte é o fim de tudo? Vivemos em dias onde não há nenhuma esperança? Esses são alguns dos questionamentos vividos pelos personagens, não apenas Block, embora ele esteja intimamente ligado com o fim. O mais desalentador em tudo isso é perceber que a Morte é a única figura personificada no filme. Nem mesmo Deus, os santos ou quaisquer outras figuras religiosas aparecem ou se deixam ouvir para o cavaleiro. O sentimento que temos é de completo abandono. Procurando servir a Deus durante as cruzadas, o nobre cavaleiro nunca o encontrara, e seu silêncio se torna ainda mais desesperador quando apenas a Morte lhe aparece, sem ao menos também lhe trazer qualquer resposta.


O clima de opressão religiosa, melancolia e abatimento espiritual atinge o ápice numa poderosa sequência que traz uma procissão com os flagelados. Os moradores de um pequeno vilarejo sentem o alívio ao se divertirem com as apresentações do casal Jof e Mia. Mas em seguida surge o abatimento de ver um grupo de sacerdotes e fiéis carregando enormes cruzes e se autoflagelando, ao som de cânticos que parecem entoar o fim do mundo. Mesmo nesses instantes, o diretor jamais entrega o filme ao sentimentalismo, aproveitando cada momento para equilibrar a reflexão e a angústia.

Durante algum tempo, Antonius Block evitará o seu próprio fim, e usará de algumas artimanhas para tentar enganar a Morte, mas o adversário é um excelente jogador. Não há ninguém com menos ou mais pecados no filme. Ninguém que mereça mais ou mereça menos a chegada da morte. As escolhas do ceifador podem ser questionadas, mas jamais evitadas. Todo o conjunto de cenas forma um mosaico sobre a finitude humana e a aleatoriedade das escolhas feitas pela morte. A busca que o protagonista faz jamais obtém resultados, assim como nós jamais obtivemos provas reais da existência divina. É com grande pesar que em determinada cena, o cavaleiro busca encontrar a Deus através de seu opositor, o diabo, mas nada encontra. Quando um grupo de pessoas se prepara para queimar uma jovem acusada de se deitar com o demônio, ele a procura e pergunta se ela realmente o vira. Ela responde que poderá encontrá-lo no olhar dela, pois os padres e os soldados já o viram. Em vão o fidalgo procura nos olhos dela alguma figura, pois neles ele só encontra o vazio. O filme jamais nega a existência divina, mas questiona a sua ausência.

O Sétimo Selo faz parte de um conjunto raríssimo de filmes. A dureza do tema que envolve questionamentos existenciais e a completa ausência de Deus, parece não encontrar muitos admiradores entre o público atual com respostas prontas e cercado de certezas. Mas felizmente ainda haverá aqueles que encontram no filme o eco de suas confissões sobre o que somos. Um dos melhores filmes de todos os tempos.

     Alex Rocha