Os cinco autores fundamentais, aqueles que escreveram em português melhor que ninguém, na minha avaliação:
1) Machado de Assis. Sobriedade, elegância, precisão, ironia fina. De Machado, Memórias Póstumas, Dom Casmurro e Quincas Borba são vitais, e alguns contos, como O Alienista e A Cartomante, vão também encantar o leitor mesmo na segunda ou terceira leitura. Tenho uma paixão particular por um conto de menor relevância de Machado, Um Capitão de Voluntários, uma história de amor traído e de arrependimento sincero e comedido que li muitas vezes. E tenho uma opinião convicta sobre a controvérsia a respeito da traição ou não de Capitu em Dom Casmurro. Não há evidência que sustente o adultério além da versão subjetiva de Bentinho, o marido. Assim, ele diz que Capitu o traiu com seu melhor amigo, Escobar. Não quer dizer que isso seja verdade. A mesma situação aparece num romance de um dos maiores escritores da era moderna, John Upkide, A Versão de Roger. O narrador, Roger, acredita que sua mulher o está enganando. Updike já no título colocou a ressalva: é a versão do marido.
2) Eça de Queiroz. Eloquência, beleza plástica nas frases, humor ferino, espírito cosmopolita. Os Maias é o melhor romance de Eça, um retrato deslumbrante dos meios intelectuais lisboetas na segunda metade do século XIX. A amizade entre Carlos e Ega é comovente. Carlos se apaixona pela irmã, Maria Eduarda, sem saber. A mãe fugira com um canalha italiano quando ela era bebê, e Carlos uma criança. Sumiram, nunca mais se soube delas, e quando uma mulher linda aparece em Lisboa Carlos não tinha como desconfiar que podia ser quem era.
3) Rubem Braga. Lirismo, musicalidade nas frases, elegância, poesia em prosa. A crônica é um gênero literário considerado menor, mas Rubem Braga destruiu este preconceito com sua escrita sublime e é hoje amplamente tido como um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. Há uma coletânea de 200 crônicas, da Record, que reúne o melhor de Rubem. Tenho-a sempre por perto, e de tempos em tempos vou direto a Quarto de Moça, ou O Rei Secreto de França, ou A Moça Chamada Pierina, e me deixo levar pela brisa poética de Rubem.
Teve muitas mulheres, mesmo não sendo rico ou bonito, mas jamais achei isso esquisito. Como Demóstenes, o sábio grego que decidiu ser orador ao ver em Atenas, garoto, um advogado salvar um réu claramente culpado pela capacidade de articular pensamentos e frases, Rubem conhecia o poder das palavras. Tão singular era que, ao saber que estava condenado à morte, por um câncer que provavelmente decorrera de sua compulsão em fumar, fez questão de ele mesmo ir a uma funerária e escolher um caixão. Quando o vendedor perguntou para quem era, Rubem disse que era para ele mesmo.
4) Nelson Rodrigues. Estilo, adjetivos incomparáveis, diálogos holywoodianos, humor carioca, que cutuca mas não fere. Se tivesse escrito em inglês, Nelson Rodrigues seria tido como um dos maiores dramaturgos da história do teatro. O português limitou seu alcance. Beijo no Asfalto e Vestido de Noiva são duas peças que todo mundo deveria ler uma, duas, muitas vezes. O enredo absurdo e patético mas factível e conduzido com extrema perícia, os diálogos incrivelmente bem feitos, são marcas do teatro de Nelson Rodrigues. Como romancista, contista e cronista, ele produziu coisas menos grandiosas, é verdade, mas muito boas de ler. Criou personagens únicos, como a grã-fina de nariz de cera que chegava ao estádio e perguntava quem era a bola. Pegou no pé dos esquerdistas que reprovava espirituosamente e completamente, sendo que seu filho, a quem dera o próprio nome, tinha sido preso por pegar nas armas. De um deles, Dom Hélder Câmara, bispo que representava a alma igualitária e anticapitalista da Teologia da Libertação, dizia que só olhava para cima para ver se ia chover.
5) Jorge Amado. Fluência, verve baiana irresistível, ritmo galopante na escrita. Outro que foi prejudicado, em termos históricos, por escrever em português. Quando o Nobel de Literatura só ia para americano ou europeu dos grandes centros, Jorge Amado estava fora. Depois, quando o Nobel alcançou regiões remotas e escritores às vezes bizarros, ela já era consagrado demais para ganhar. Li todo Jorge Amado, aos 21 anos, da melhor maneira: em Salvador, onde fui passar férias longas na casa de minha tia Teté, que acabara de ter um filho, Pedro Mottin, de quem eu seria padrinho orgulhoso. Havia uma coleção de Jorge Amado nas bancas de jornais, e ao pegar o primeiro, Capitães da Areia, que conta a história de meninos desamparados, não parei mais. Da primeira fase de Jorge Amado, marcada pela militância comunista, recomendo, além de Capitães da Areia, Mar Morto, lírico, uma história de amor e perda nas águas da Bahia.