Jorge Luís Borges

“Quando menino, eu temia que o espelho me mostrasse outro rosto
 Ou uma cega máscara impessoal que ocultaria algo na certa atroz.
 Temi também que o silencioso tempo do espelho se desviasse do curso cotidiano,
 dos horários do homem e hospedasse em seu vago extremo imaginário,
 seres e formas e matizes novos.
 (Não disse isso a ninguém, menino tímido.)
 Agora temo que o espelho encerre o verdadeiro rosto de minha alma,
 Lastimada de sombras e de culpas, o que Deus vê e talvez vejam os homens.” 

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 Sou apenas a sombra que projetam essas íntimas sombras intrincadas.
 Sou sua memória, e sou também o outro que, como Dante e os homens todos, já esteve no raro paraíso.
 E nos muitos infernos necessários.
 Sou o que não conhece outro consolo que recordar o tempo da ventura.
 Às vezes sou a ventura imerecida. Sou o que sabe não passar de um eco,
 O que anseia morrer inteiramente.
 Sou talvez o que tu és no sonho.


 Edição de texto: José Claisson Aléssio