Eudoro Augusto

 Não esperava você

antes do próximo verão.
Foi precipitação de sua parte,
foi sua arte. Aquela estranha estratégia
de ferir e depois usar a língua mais doce
pra lamber as feridas.

Não podia adivinhar que você viria
nesta quinta de tarde,
sentindo no ar o velho cheiro
de sal e de sangue.

Os demônios me arranham
nesta temporada de sombras
e maçãs podres.
Estação do exílio e do desespero.

Hoje outra vez eu me escondo
em luas escusas.
De cara virada,
os olhos fixos no planeta mais obscuro,
pedindo perdão aos deuses do sono.

Então emudeço o telefone,
tranco as portas como um bandido acossado,
cancelo visitas, luzes, vozes, chaves,
interdito as emoções claras
e as cintilantes naves.

Meu pensamento trava.
Não, eu não estava
esperando você.