Ricardo Soares

 Não posso esclarecer ao prezado leitor se você morreu ou me deixou o que no fundo é a mesma coisa. Deixo por conta da imaginação de quem lê.


 O que é fato, o que é liquido e certo é que você não está mais por aqui depois de tantos anos e por conta disso eu dei de falar com os cabides e rosnar para os rodapés pegando ojeriza dos gatos que gostavam mais de você do que de mim.

 Você não quis levar tantas boas recordações mas só as más lembranças e todas as suas bugigangas que entulhavam a minha vida e só agora vejo o quanto eu gostava disso.

 Ficou o vazio, o pétreo vazio de azulejos de hospital, de comidas que não mais farei, de chás que você não vai mais me levar até a cama até porque teriam que ser muitos porque agora passo grande parte do dia deitado.

 Doença ou depressão já não sei . Afinal não é tudo o mesmo?

Se escrevo essas mal cansadas linhas é  porque sei tardiamente agora que como na letra da bossa nova “é impossível ser feliz sozinho”.

 O resto é barulho de um mar remoto, de um dia silencioso, de pássaros que ignoram que eu me aposentei precocemente sem querer e que cabeça vazia é ferramenta do diabo.

 Assim vou.

 Já muitas primaveras vivi nessa vida. Lido muito mal com a tristeza, também lido mal com a indelicadeza e com a privação de qualquer sentido.

 Assim é que não vejo nenhum sentido na sua ausência.

 Ela me dói, me dilacera, me faz ter uma dó danada de mim porque mesmo não tendo nascido junto de ti estava a ti umbilicalmente ligado.