Tantos que foram os anos, talvez a memória me engane.
Certas coisas – e que seriam importantes em qualquer relato – me ocorrem como sombras sem contornos. Não sei exatamente em que lugar se encontrava a mais humilde de todas as capelas que conheci, de pau a pique, coberta de palha de buriti (ou de sapê, como posso precisar?), o altar montado em jirau de taquara, com as toscas imagens, que não se pareciam a nenhum santo conhecido, mas todas coroadas com seu halo feito de cipó amarelo, bem fininho e trançado com muito zelo.
Os santos eram esculpidos em barro cru, mas – ao que me pareceu – cobertos de clara de ovo, para que não quebrassem. Sobre o altar, pregada na parede também de barro, em folha dupla de papel almaço, a saudação do anjo ao nascimento de Cristo: Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade. O chão, de terra batida, ainda mostrava os rastros da vassoura, de ramos de alecrim-do-campo, encostada a um canto.
Era o sinal de que alguém cuidava bem da capelinha.
Não havia como sentar-me: era uma capela feita para a genuflexão. Dobrei os joelhos e rezei àqueles santos e santas desconhecidos: era um homem, uma mulher e seu filho. Pensei na Santíssima Trindade, mas talvez não fosse.
Podiam ser um santo qualquer, que não José, o Carpinteiro, uma santa qualquer, e não a Virgem Maria. E o menino, disso estou certo, não tinha nada a ver com Jesus. Era um menino já parrudinho, não o da gruta. Tinha os olhos esbugalhados, talvez de espanto, desproporcionais ao rosto. Assim mesmo, orei.
Disso andava precisado, como sempre andei.