Inícios de romances
Ana Karenina (Liev Tolstoi)
Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira.
A hora da estrela (Clarice Lispector)
Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.
Um conto de duas cidades (Charles Dickens)
Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a época da descrença, foi a estação da Luz, a estação das Trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós.
Milagrário pessoal (José Eduardo Agualusa)
As palavras, como os seres vivos, nascem de vocábulos anteriores, desenvolvem-se e fatalmente morrem. As mais afortunadas reproduzem-se. Há as de índole agreste, cuja simples presença fere e degrada, e outras que de tão amoráveis tudo à sua volta suavizam. Estas iluminam, aquelas confundem. Umas são selvagens, irascíveis, cheiram mal dos pés, fungam e cospem no chão. Outras, logo ao lado, parecem altivas e delicadas orquídeas.
Bom dia, tristeza (Françoise Sagan)
Sobre esse sentimento desconhecido cujo tédio, cuja doçura me inquietam, hesito em usar o nome, o belo e profundo nome de tristeza. É um sentimento tão completo, tão egoísta, que quase me envergonha, ao passo que a tristeza sempre me pareceu digna. Esta, eu não conhecia, mas sim o tédio, a saudade e, mais raramente, o remorso. Hoje, algo se dobra sobre mim como uma seda, leve e suave, e me separa dos outros.
Como me tornei estúpido (Martin Page)
Sempre parecera a Antoine contabilizar sua idade como os cães. Quando tinha sete anos, ele se sentia gasto como um homem de quarenta e nove anos; aos onze, tinha desilusões de um velho de setenta e sete anos. Hoje, aos vinte e cinco, na expectativa de uma vida mais tranquila, Antoine tomou a decisão de cobrir o cérebro com o manto da estupidez. Ele constatara muitas vezes que inteligência é palavra que designa baboseiras bem construídas e lindamente pronunciadas, e que é tão traiçoeira que frequentemente é mais vantajoso ser uma besta que um intelectual consagrado. A inteligência torna a pessoa infeliz, solitária, pobre, enquanto o disfarce da inteligência oferece a imortalidade efêmera do jornal e a admiração dos que acreditam no que leem.
O Estrangeiro (Albert Camus)
Hoje, minha mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: “Sua mãe falecida: Enterro amanhã. Sentidos pêsames”. Isto não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem.
Bonsai (Alejandro Zambra)
No final, ela morre e ele fica sozinho, ainda que na verdade ele já tivesse ficado sozinho muitos anos antes da morte dela, de Emília. Digamos que ela se chama ou se chamava Emília e que ele se chama, se chamava e continua se chamando Júlio. Júlio e Emília. No final, Emília morre e Júlio não morre. O resto é literatura.
Os devaneios do caminhante solitário (Jean-Jacques Rousseau)
Eis-me, portanto, sozinho sobre a terra, sem outro irmão, próximo, amigo ou companhia que a mim mesmo. O mais sociável e o mais afetuoso dos humanos dela foi proscrito por um acordo unânime.
editado por José Claisson Aléssio