Dante Alighieri

Deixai toda esperança, vós que entrais!
 – Não tenhas medo – respondeu Virgílio, experiente – mas não sejas fraco!
 Aqui chegamos ao lugar, do qual antes te falei, onde encontraríamos as almas sofredoras que já perderam seu livre poder de arbítrio.
 Não temas, pois tu não és uma delas, tu ainda vives.
 Em seguida, Virgílio segurou minha mão, sorriu para me dar confiança, e me guiou na direção daquele sinistro portal.
 Logo que entrei ouvi gritos terríveis, suspiros e prantos que ecoavam pela escuridão sem estrelas. Os lamentos eram tão intensos que não me contive e chorei. Gritos de mágoa, brigas, queixas iradas em diversas línguas formavam um tumulto que tinha o som de uma ventania.
 Eu, com a cabeça já tomada de horror, perguntei: – Mestre, quem são essas pessoas que sofrem tanto?
 – Este é o destino daquelas almas que não procuraram fazer o bem divino, mas também não buscaram fazer o mal. – me respondeu o mestre.
 – Se misturam com aquele coro de anjos que não foram nem fiéis nem infiéis ao seu Deus. Tanto o céu quanto o inferno os rejeita.
 – Mestre – continuei -, a que pena tão terrível estão esses coitados submetidos para que lamentem tanto? – Te direi em poucas palavras. Estes espíritos não têm esperança de morte nem de salvação. O mundo não se lembrará deles, a misericórdia e a justiça os ignoram. Deixe-os. Só olha, e passa.

 Trecho da Divina Comédia
 edição: José  Aléssio