Não sei como cheguei até aqui. Deus é um cara gozador / Adora brincadeira, canta Caetano (mas a música é do Chico). Foi uma longa e maluca caminhada. E Beckett sempre esteve presente: Tente. Fracasse. Não importa. Tente outra vez. Fracasse outra vez. Fracasse melhor.
Nasci em Nossa Senhora dos Prazeres dos Certões e dos Campos das Lagens, um vilarejo no centro de Santa Catarina, às 06h45 da manhã do dia 04 de fevereiro de 1959. Tentei viver em outros lugares umas duas ou três vezes. Nunca consegui me adaptar. Estou sempre voltando para casa.
Escrevi livros, plantei árvores, e, em parceria, gerei filho. No intervalo entre uma coisa e outra, colecionei amigos e inimigos, flertei com o caos, procurei (sem sucesso) abraçar a serenidade budista.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos / Eu era feliz e ninguém estava morto, recita o fantasma de Álvaro de Campos, talvez para lembrar que a vida é terreno minado, a estrada pavimentada pelas ausências. Sobrevivi. Ter sorte ajuda. Ou pode ter sido consequência do velho truque que é desprezar as falsas intimidades.
Nunca fiquei doente de verdade. Nunca comprei carro ou imóvel. Descontadas as trapalhadas cotidianas e as decisões erradas, ainda sou aquele menino que atravessava as ruas da aldeia lendo em voz alta as placas comerciais, que emprestava livros da Biblioteca Pública, que assistia as matinês de domingo no Cine Tamoio, que gosta(va) de história(s).
Uso óculos desde sempre. Isso significa – muitas vezes – que tenho dificuldades para enxergar o que está a dois palmos do nariz. Somam-se duas vantagens: sou cego para certas coisas (as coisas certas!) e continuo sendo chamado de antipático. É sempre um prazer.
Não sei tocar violão. Prefiro o silêncio e o estar sozinho – embora esteja ciente de que a vida é ruído e multidão e, dois ou três medos inconfessáveis.