Ele era, realmente, uma pessoa inacreditável. Tímido demais. Com absolutamente nada para dizer. A O estranho era que à primeira vista ele parecia interessantíssimo. Todo mundo concordava nisso. E, como se isso não fosse bastante, havia seu jeito de corar… Todas as vezes que o garçom se aproximava, ficava escarlate - parecia que tinha acabado de sair da cadeia, e que o garçom sabia.
Seu nome é Ian French. Pintor. Muitíssimo inteligente, dizem. Alguma mulher começou por dedicar-lhe um terno carinho. Mas quando uma vez ela foi ao seu estúdio tocou, tocou, e ninguém atendeu, embora ela jurasse ter ouvido a respiração de alguém dentro da sala. Um caso sem esperança." Uma outra decidiu que ele precisava se apaixonar. Ela o atraiu para o seu lado, chamou-o de "menino", inclinou-se sobre ele fazendo-o sentir o perfume de seus cabelos, pegou-lhe o braço, disse-lhe como a vida podia ser maravilhosa "se apenas tivéssemos coragem"; e foi ao seu estúdio uma noite, e tocou e tocou… Não havia esperança.
"O que o coitado do moço precisa é de um verdadeiro estímulo", disse uma terceira. Então, lá se foram eles para cafés, cabarés, pequenas danceterias, lugares onde se bebia alguma coisa que tinha gosto de suco de damasco, mas que custava vinte e sete shillings a garrafa e era denominado champanhe; outros lugares, emocionantes demais, onde a gente se sentava na mais terrível escuridão, e onde sempre tinham atirado em alguém na noite anterior. Mas ele não tinha a menor reação.
Apenas uma vez se embebedou mas, em vez de desabrochar, ficou sentado, petrificado, com duas manchas vermelhas nas faces. Mas, quando ela o levou de volta ao seu estúdio ele tinha se recuperado e lá embaixo, na rua, disse-lhe "boa-noite", como se tivessem vindo juntos da igreja para casa… Não havia esperança! Depois, Deus sabe quantas tentativas mais - pois o espírito da bondade custa muito a morrer nas mulheres - elas o abandonaram. Eram ainda perfeitamente encantadoras, é claro, e convidavam-no para seus espetáculos, e falavam com ele nos cafés, mas era só.
Quando se é artista não se tem tempo para os que não correspondem. Não é mesmo? "E além disso, eu penso que deve haver qualquer coisa suspeita … você não acha? Não pode ser tudo tão inocente como parece. Por que vir para Paris, se se quer ser um anjo de inocência? Não, eu não estou desconfiada. Mas…"
Ele morava no alto de um edifício tristonho que dava para o rio. Um desses prédios que parecem tão românticos em noites chuvosas ou em noites enluaradas, quando as persianas e a porta pesada estão fechadas e o anúncio "um pequeno apartamento para alugar imediatamente" brilha, com indizível desesperança.
Encarrapitado lá em cima, o estúdio tinha uma vista maravilhosa. Das duas janelas grandes ele via o rio; o morador podia ver as embarcações e os batelões balançando para cima e para baixo e a orla de uma ilha plantada com árvores como um ramalhete redondo. A janela lateral dava para um outro prédio e mais abaixo havia um mercado de flores. Podia-se ver barracas cobertas com toldos listrados, onde vendiam-se plantas em caixas e palmeiras úmidas, brilhantes, em jarras de barro. Entre as flores, as velhas senhoras corriam de um lado para outro, como caranguejos. Realmente, ele não precisava sair. Se se sentasse junto da janela até que sua barba branca descesse pelo peitoril, ainda assim continuaria tendo alguma coisa para desenhar.
Todos os dias, a mesma coisa. Enquanto havia boa luz ele trabalhava como um escravo de sua pintura. Depois cozinhava as próprias refeições e arrumava o estúdio. E de noitinha ia para o café ou ficava em casa, lendo ou organizando listas de despesas muito complicadas, intituladas "Devo me contentar com", que terminavam com a declaração, sob juramento… "Juro não exceder este total no próximo mês. Assinado, Ian French." Nada suspeito com relação a isto; mas aquelas mulheres perspicazes estavam inteiramente certas. Aquilo não era tudo.
Uma noite ele estava sentado perto da janela lateral. Tinha chovido - a primeira verdadeira chuva de primavera do ano - havia um brilho de lantejoulas em todas as coisas e o ar cheirava a brotos e terra molhada. Muitas vozes em tom lânguido e contente soavam no ar fosco e as pessoas que tinham vindo para fechar suas janelas e trancar as persianas, em vez disto, debruçavam-se nelas.
Ele olhou fixamente para o pequeno prédio do outro lado da rua e de repente, como em resposta ao seu olhar, dois batentes abriram-se e uma jovem saiu para o pequenino balcão, carregando um vaso de narcisos. Era uma moça estranhamente magra, vestindo um avental escuro, com um lenço cor-de-rosa atado em volta dos cabelos. As mangas estavam enroladas quase até os ombros e seus braços finos brilhavam contra o tecido escuro do avental. "Sim, sem dúvida está bastante quente. Isso vai fazer bem a eles", ela disse, colocando o vaso no chão e virando-se para alguém, dentro de casa. Enquanto virava, levou as mãos até o lenço e empurrou para dentro dele alguns fios de cabelo.
Ela simplesmente não via o prédio do outro lado da rua. E depois desapareceu. O coração dele caiu pela janela lateral de seu estúdio e desceu para o balcão do prédio de frente - enterrou-se no vaso de narcisos, embaixo dos botões entreabertos e hastes verdes. Com quem ela vivia? Ninguém mais vinha àquelas duas janelas e ainda assim ela estava sempre falando com alguém dentro da sala. Sua mãe, ele concluiu, era uma inválida.
Elas costuravam para fora. O pai tinha morrido. Tinha sido um jornalista - muito pálido, com bigodes longos e uma mecha de cabelos negros caindo sobre a testa. Trabalhando o dia todo, elas ganhavam o suficiente para viver, mas nunca saíam e não tinham amigos. Ela era a única pessoa que ele queria de fato conhecer, porque era, ele concluiu, a única outra pessoa viva que tinha exatamente a sua idade. Ele não tolerava mocinhas que viviam rindo e não gostava de mulheres feitas…
Mas o que poderia ele fazer para conhecê-la? Isto podia durar anos… Então ele descobriu que uma vez por semana, à noite, ela fazia compras. Em duas quintas-feiras sucessivas ela veio à janela usando uma capa fora de moda sobre o avental, e carregando uma cesta. Do lugar onde estava sentado ele não podia ver a porta da casa, mas na noite da quinta-feira seguinte, na mesma hora, pegou o boné e correu escada abaixo.
Havia uma linda luz rosada sobre todas as coisas. Ele viu aquela luz brilhando no rio, e as pessoas que caminhavam em sua direção tinham faces e mãos rosadas. Encostou-se num lado do prédio, esperando por ela, e não tinha ideia do que faria . "Lá vem ela", disse uma voz dentro de sua cabeça. Ela estava andando muito rapidamente com passos curtos, leves; com uma das mãos, carregava a cesta, com a outra segurava a capa… O que ele podia fazer? Apenas segui-la… Primeiro, ela entrou na mercearia e demorou-se muito tempo lá dentro, depois foi ao açougue, onde teve de esperar sua vez. Depois ela ficou um tempão na loja de tecidos combinando alguma coisa, e então foi à casa de frutas onde comprou um limão. Enquanto a observava ele teve, mais que nunca, a certeza de que devia apresentar-se a ela naquele momento mesmo.
A tranquilidade da moça, sua seriedade, sua solidão, a própria maneira como caminhava, como se estivesse ansiosa para não ter mais nada a ver com este mundo de adultos, tudo era tão natural para ele, e tão inevitável! "Ela é sempre assim", ele pensou com orgulho. "Não temos nada a ver com essa gente." Mas agora ela estava a caminho de casa e ele estava tão longe como sempre… De repente ela entrou na leiteria e, através da janela, ele a viu comprando um ovo. Ela tirou-o da cesta, com enorme cuidado - um ovo escuro, de formato bonito, exatamente o que ele teria escolhido. E quando ela saiu da leiteria ele entrou. Num instante ele estava outra vez do lado de fora, seguindo-a para além de sua própria casa, atravessando o mercado de flores, esquivando-se entre os enormes guarda-sóis e andando sobre folhas caídas e sobre as marcas redondas nos lugares onde tinham estado os vasos.
Insinuou-se através da porta do edifício onde ela morava, subiu as escadas, tendo o cuidado de pisar ao mesmo tempo que ela, para que não o notasse. Finalmente, ela parou e tirou a chave de dentro da bolsa. Quando ela a colocava na fechadura, ele subiu correndo e encarou-a. Corando, mais vermelho do que nunca, mas olhando para ela com severidade, ele disse, quase zangado: "Desculpe-me, a senhorita deixou cair isto". E entregou-lhe um ovo.