Tarde fria, e então eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente que sentiam frio na alma quando a tarde estava fria; e então eu sinto uma saudade muito grande, e penso em vocês devagar, bem devagar, com um bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e bom quanto nos tempos de nossa meninice lá pras bandas do Sul.
Ah, que vontade de escrever bobagens tipo redação escolar, bobagens para todo mundo me achar ridículo e talvez alguém pensar que na verdade estou aproveitando uma crônica muito antiga num dia sem assunto.
Olho-me no espelho e percebo que estou envelhecendo rápida e definitivamente; com esses cabelos brancos parece que não vou morrer, apenas minha imagem vai-se apagando, vou ficando menos nítido, estou parecendo um desses clichês sempre feitos com fotografias antigas que os jornais publicam de um desaparecido que a família procura em vão.
Sim, eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas eu sei que em alguma distante esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em todos vocês, pensando teimosamente, docemente em todos vocês.
edição: José Aléssio